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Veridiana Brasileiro
Médica otorrinolaringologista e colecionadora

Minha paixão pelo colecionismo iniciou-se ainda na infância, com os típicos papéis de carta, revistas em quadrinhos e álbuns de figurinhas. Mas a seriedade na prática do colecionismo estabeleceu-se por volta dos 11 anos de idade, quando me associei aos Correios e virei filatelista praticante, o que era motivo de orgulho para mim. Durante muitos anos, frequentei o Parque das Crianças e a EMCETUR aos domingos, levada pelos meus pais para comprar e trocar selos. Desde então, as coleções passaram por moedas, cédulas, canetas, cartões postais, cartões telefônicos e playmobil. A maioria das coleções ainda existe, bem guardadas em local especialmente reservado para elas. Nos últimos 13 anos, comecei a colecionar obras de arte. A coleção de releituras da Mona Lisa, feitas por artistas nacionais e internacionais, que, atualmente, tem mais de 600 obras, é a minha atividade de colecionismo atual.

Eu não saberia explicar sobre o amor e a necessidade que tenho de colecionar. Mas é algo inerente a minha vida, tão natural como a medicina. Simplesmente faz parte e faz-me muito feliz! Colecionar é das coisas que eu gosto de fazer na vida.

Quando iniciei a coleção de Monalisas, eu estava ao mesmo tempo descobrindo a arte, um mundo novo que se descortinou para mim. Minha curiosidade era tamanha que comprei livros de arte e comecei a pesquisar muito sobre o assunto na internet. Interessou-me, inicialmente, a História da Arte e o conhecimento das técnicas, materiais e estilos. E a infinidade de novos conhecimentos me surpreendia, dia após dia. Foi quando surgiu a vontade de, através da minha coleção, representar todas as possibilidades em que a arte pode ser expressa, pelo olhar e estilo de cada artista; todas as variáveis técnicas, os diversos suportes e materiais. Assim, passei a garimpar artistas, cuja arte me surpreendesse, que tivesse sua identidade própria ou dominasse uma técnica, de modo que pudesse ser o representante daquela modalidade em minha coleção.

Desde o início, a coleção foi pensada para ser didática e instrutiva, um projeto educacional que pudesse ser apresentado na forma de exposições em espaços culturais institucionais. Sonhei em ver ônibus chegando aos museus, trazendo crianças em grupos escolares, descendo em fila e entrando para ver a exposição, imaginando seu encantamento e interação… até que esse sonho se realizou por ocasião da primeira grande exposição no Museu do Ceará, em Fortaleza, 2018. Depois, repetiu-se em todas as exposições seguintes. Até o momento anterior à publicação deste livro, já são contabilizadas 19 exposições em cidades do Ceará.

Com o início do circuito de exposições, percebi que a coleção tornara-se uma oportunidade para muitos artistas, como meio de lançar seus nomes e apresentar seus trabalhos. Assim, tornou-se, para mim, uma meta a ser alcançada: dar espaço a jovens e iniciantes artistas, bem como estimular a arte em populações que não tem acesso fácil às artes visuais. Ao lado de renomados e premiados artistas, as exposições passaram a dar oportunidade aos artistas de cada localidade a que a coleção chegou, a jovens talentos e a talentos ocultos, tidos como praticantes da arte por hobbie, porém, que nunca tiveram a chance de participar de uma exposição. A experiência em oportunizar essa condição trouxe muita realização para mim, ao ver o surgimento e o florescer de personalidades que, atualmente, fazem da arte uma parte de suas vidas, que se autoproclamaram artistas e, assim, deixaram-se levar pelo caminho da arte, tornando-se profissionais felizes e realizados. Ao longo dessa trajetória, há também belos exemplos de crianças que despertaram a atenção e interesse para a arte e, a partir do contato com as Monalisas, passaram a praticar atividades de arte e a frequentar exposições com mais frequência, acompanhados de seus pais.

Este livro faz parte da realização de um sonho, iniciado com as exposições de caráter educativo e promotor da arte. Terá continuidade uma exposição para o lançamento deste livro, e outras que certamente virão. Aqui, faço a catalogação da coletânea de artistas cearenses, que fazem parte desta coleção. São 196 artistas que criaram 362 Monalisas, cada uma com seu estilo, técnica e identidade artística, composições em materiais e suportes diversos, representando as mais diversas possibilidades de criação visual, como desenho, gravura em todas as suas modalidades, pintura em todas as suas técnicas, escultura em diversos materiais, bordado, crochê e têxtil contemporâneo, colagem, fotografia, arte digital, objetos artísticos, entre outros.

Todos os artistas nasceram ou vivem no Ceará, representando um recorte do cenário artístico cearense contemporâneo à história da coleção, apresentados em ordem alfabética. Cronologicamente, há artistas que iniciaram sua atuação artística nas décadas de 50 e 60, passando por representantes das décadas seguintes, até os dias atuais. Assim, o livro tem o potencial do registro histórico e cultural de várias épocas e contextos.

Num ato de apropriação e nominação, as releituras da Mona Lisa que fazem parte da minha coleção são denominadas de Monalisa, diferenciando-as da grafia da obra original de Leonardo da Vinci. Por isso, nos textos seguintes, encontrar-se-ão ambas as grafias.

Que esta catalogação sirva como documentação e registro dessas gerações de artistas que estão aqui representados por suas Monalisas. Costumo dizer que tenho uma coleção de artistas, pois, de fato, coleciono artistas num mesmo tema. É a multiplicidade de expressões numa temática única, que transforma esta coleção em uma riqueza cultural representativa da arte do Ceará.

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Andréa Dall’Olio Hiluy
Arquiteta, artista Visual, curadora

Este livro conta uma história que vem se desenvolvendo – e continua a encantar – na cidade de Fortaleza, capital do Ceará, Brasil. É a história de uma médica colecionadora, que se apaixonou tardiamente pela arte. E, ao refletir sobre as mudanças e benefícios que o contato da arte trouxe para sua vida, decidiu tornar pública sua coleção, definindo como seu público alvo aqueles que não têm a oportunidade do contato com a arte. Neste livro, encontram-se as releituras da obra Mona Lisa, realizadas por artistas cearenses para sua coleção, no total de 196 artistas, totalizando 362 obras. Assim, torna-se um livro importante como registro da produção artística cearense contemporânea de nosso tempo.

A médica Veridiana Brasileiro iniciou o seu interesse pelo colecionismo na infância, quando colecionou papéis de carta, cartões telefônicos, cartões postais, revistinhas em quadrinhos, playmobil, moedas e selos. A coleção de selos foi a primeira que ela encarou de forma profissional, iniciando aos onze anos e alcançando o seu ápice com mais de mil selos, todos catalogados por temáticas, aos quinze anos de idade. O seu despertar para as obras de arte surgiu em uma viagem para a Europa em 2008, quando entrou em contato com as obras primas dos grandes mestres da história da arte. E uma obra, em específico, sensibilizou-a mais que as outras: a Mona Lisa.

A pintura Mona Lisa, do grande mestre Leonardo da Vinci, é uma obra renascentista repleta de mistérios, que vão desde a identidade da modelo, às técnicas inaugurais de pintura como o sfumatto e a perspectiva na paisagem, o sorriso enigmático, as proporções matemáticas, e, até mesmo a história do seu roubo, no início do século XX. Todos esses segredos arrastam multidões para o Museu do Louvre, em Paris, onde se encontra essa obra prima, além de despertar o interesse de inúmeros artistas a fazerem a sua releitura da Mona Lisa. A releitura de uma obra de arte é uma forma de interpretação do artista e a possibilidade de se exercitar a criatividade, através de sua técnica e de seu estilo artístico.

Após o encontro de Veridiana com a pintura renascentista do início do século XVI, a imagem ficou gravada em sua memória. Durante a sua estada em Paris, ela entrou em contato com algumas releituras de estudantes de artes, de designers, de artistas, além da imagem da Mona Lisa estampada em objetos diversos, como bandejas, xícaras, lenços, pastas, cadernos, cartazes, etc. Ao retornar dessa viagem, observou que trouxe consigo oito releituras da obra de Leonardo da Vinci e mais alguns souvenirs e, como uma colecionadora nata, percebeu que, nesse momento, poderia surgir uma nova coleção.

Na convivência com alguns artistas locais e o contato pela internet com tantos outros, no Brasil e mundo afora, e com a gênese da nova coleção, as encomendas aos artistas iniciaram-se. A primeira obra encomendada a um artista cearense, Vando Figueiredo, foi a união da obra iconográfica com a imagem da colecionadora na linguagem desse artista. Buscando a aproximação com a obra original, Veridiana solicitou que esta obra fosse realizada conforme a original: a mesma técnica, o mesmo suporte e a mesma dimensão. Assim, foi utilizada a madeira como suporte, a técnica da tinta óleo, nas dimensões de cinquenta e três centímetros de largura por setenta e sete centímetros de altura, para retratar a colecionadora em pose de Mona Lisa.

As releituras de obras de arte são realizadas desde a antiguidade. O artista tem a liberdade de recriar a obra a partir da sua linguagem artística, interpretando-a, sem descaracterizar por completo a obra original. É importante compreender que uma releitura artística não significa cópia ou falsificação e, sim, uma nova obra a partir desse novo olhar. A obra de arte que mais frequentemente é tida como referência para releituras é a Mona Lisa, obra de Leonardo da Vinci, pintada entre 1503 e 1506 em Florença – Itália. Sua primeira releitura reconhecida foi a do pintor Renascentista Rafael Sanzio em 1504, um estudo da obra original, ainda em desenvolvimento à época. Por volta de 1503-1509, a versão da Mona Lisa que se encontra no Museu do Prado foi pintada por um dos discípulos de Da Vinci. Mais recente, a releitura mais famosa é a do pintor Dadaísta Marcel Duchamp, datada de 1919, na qual ele acrescentou um bigode e um cavanhaque na reprodução da Mona Lisa. Também fizeram as suas releituras os artistas Salvador Dali, Andy Warhol e Bottero, Inúmeros artistas contemporâneos continuam fazendo as suas interpretações dessa obra. A Mona Lisa é, portanto, a obra de arte que mais sofre a interferência de releituras. E esse alcance torna-a a obra de arte mais conhecida do mundo.

A releitura baseia-se no processo de recriação, de um posicionamento crítico do artista perante a obra original, que impregna, na sua produção, novos conceitos, que possibilitam que a obra ganhe novos significados. É uma reflexão acerca da obra de arte original, na qual o artista imbui sua identidade artística na produção de uma obra que tem a gênese no passado e o foco no contemporâneo. Tendo como resultado uma nova criação e não uma mera recriação repaginada. O que caracteriza uma boa releitura é quando o artista recria valores, e não adota simplesmente a cópia da obra original, sendo necessário que o artista tenha uma plena compreensão dos significados da obra que será relida e, posteriormente, desenvolva o seu processo criativo e construtivo.

À medida que a coleção foi sendo formada, a colecionadora despertou para o interesse de apresentá-la ao público, com a intenção de formação de público para a arte e de disponibilização de suas obras para a educação artística, apresentando diversas técnicas, estilos e artistas. A colecionadora envolvia-se com cada nova obra, com o diálogo que travava com cada uma e que a permitia aproximar-se, ainda mais, da obra original e do artista que executou a releitura.

O ano de 2018 foi um marco para a coleção, que constava, à época, com aproximadamente 300 obras e que teve sua primeira exposição no Museu do Ceará, em Fortaleza/CE, com 153 obras em exibição. Esse feito apresentou cerca de 80 artistas cearenses, como também artistas nacionais e internacionais, com uma duração de quarenta dias em exibição e, aproximadamente, quatro mil e quinhentos visitantes.

A mostra surgiu com o objetivo de disseminar arte e cultura ao público em geral e despertar o interesse naqueles que ainda não conhecem ou não têm oportunidade do convívio com a arte, utilizando-se de uma figura icônica e de alcance popular por sua temática. A expectativa de alcance de público e repercussão foi superada com grande número de visitantes, além de comentários positivos. Isso se deu pela beleza e importância que esta coleção exibe, sensibilizando a população ao aproximar a arte das pessoas, para fruir e discutir sobre diversas formas de arte, numa mesma temática. Muitos se surpreendem com a qualidade artística da coleção, representada por grandes nomes autorais e pela riqueza do acervo em termos de técnicas e diversidade de expressões.

A extraordinária repercussão da exposição inaugural teve como consequência novos convites para outras exposições. Nesse momento inicial surgiram novos desafios, tais como a possibilidade de montar exposições no interior do Ceará, o que gerou preocupações como o transporte das obras, embalagens, a curadoria, a comunicação visual, a montagem, dentre outros. Mas, os obstáculos foram superados.  Mais convites apareceram, e a mostra seguiu o seu destino e já percorreu as cidades de Quixadá por duas vezes, Crato, Barbalha, Nova Olinda, Juazeiro do Norte por três vezes, Aracati, Sobral, Eusébio e Fortaleza por seis vezes, com estimativa de mais de 35 mil visitações presenciais.

Atualmente, a coleção possui mais de 600 releituras, sendo o maior recorte o de artistas cearenses, com cerca de 200 artistas. A compilação de obras é formada por diversas linguagens e estilos. Na pintura, tem a técnica com tintas acrílica, óleo, aquarela, guache e spray grafite; no desenho, tem a técnica com carvão, pastel, grafite, lápis de cor, caneta esferográfica e nanquim; nas esculturas, existem as técnicas de cerâmica, argila, resina, pó de mármore e pó de bronze, madeira, impressão 3d e têxtil; na gravura, existem as diversas modalidades como xilogravura, linóleo gravura, litografia, em metal, digital, além da participação de várias matrizes; na arte têxtil, pode-se ver crochê, bordado, bordado livre, costura; há também fotografia, colagens e técnicas mistas e inúmeros objetos colecionáveis, que não estão contabilizados juntamente às obras de arte.

Desde seu início, a coleção foi concebida com o intuito de ser apresentada ao público, pois a autora do projeto sentiu-se tocada pela arte e percebeu os efeitos benéficos deste novo hobbie e paixão, que lhe trouxeram ganhos diretos no seu bem-estar físico, mental e social e proporcionando-lhe muita felicidade, preenchendo lacunas que poderiam ter sido ocupadas por stress ou seus efeitos danosos para o organismo.

Além do contato com a arte, as exposições mostram o lado do colecionismo que a médica traz desde a infância, atividade que foi muito importante na sua formação pessoal, deixando experiências e vivências que frutificaram em todos os âmbitos de sua vida, sendo exemplo e estímulo por onde passa.

O projeto traz duas premissas: os benefícios do contato com a arte e a prática do colecionismo. A arte e o colecionismo aproximam as pessoas e facilitam novas relações interpessoais, melhorando a civilidade. São atividades que permitem a expansão do conhecimento e da cultura em geral, sobretudo, melhoram a saúde mental.

O objetivo do projeto é seguir de forma itinerante, e alcançar o público em geral, sempre na intenção de oportunizar às populações mais carentes acesso à cultura, com a missão de cultivar e encantar pela arte, provocando o surgimento de uma geração com novos talentos, e mais participativa no crescimento cultural e social da população, visando à melhoria da qualidade de vida. A coletânea continua em processo de expansão na sua meta de difusão e de fomento às artes cearenses, através de ações culturais.

A importância deste projeto vem do seu alcance e capacidade de sensibilizar a população para a arte, uma vez que se utiliza de uma imagem icônica, representada pela obra de arte mais famosa do mundo e que tem uma história emblemática com a história da arte e suas releituras. É um projeto essencialmente educativo e de fácil assimilação, mesmo para quem não tem o convívio com a arte.

É um começo para o despertar!

Equipe

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